Artigo

A Alfa Romeo 2300 1992 do Oscar Niemeyer

Esta lenda circula à muito tempo nos meios antigomobilistas e alfistas, e ganhou força e variações na internet. Através de uma longa busca conseguimos finalmente desvendar o assunto.

A Lenda

Teria sido contada pelo sobrinho de Oscar Niemeyer: O grande arquiteto fez um trabalho para a Fiat italiana e não quis cobrar. Nunca gostou de automóvel, que era um meio de transporte, mas achava o Alfa confortável.

Depois de muita insistência a Fiat então teve uma resposta desconcertante: Quero um 2300 TI4 novo, teria dito Niemeyer. Isso em 1992, ao menos cinco anos depois de deixada a fabricação. Movidos céus e terras, saiu-se à caça de peças originais em todas as revendas, foi descoberto um monobloco zero em Belém do Pará, a partir do qual foi montado no Departamento de Protótipos da Fiat, em Betim, um carro novo, cuja plaqueta tem escrito 1992. Como eles são os fabricantes, é lícito fazer isso. Esse carro, um TI4, teria sido usado uns anos e vendido sem nenhuma consideração por sua raridade.

As evidências

A biografia Oscar Niemeyer de Marcos Sá Corrêa (Ediouro, 2005) não menciona o episódio, mas confirma a relação do mesmo com seu Alfa Romeo, num capítulo denominado A Alfa e o Omega e confirma a propriedade de um modelo ultima série que teria sido exaustivamente usado.

Niemeyer passou a maior parte de 1995 com um Gol alugado na porta do escritório. Provavelmente aguardava, apesar de ateu, que um milagre ressuscitasse a sua frota um Dodge Dart em estado terminal e um Alfa Romeo cinzento, fabricado em 1986, que até a Fiat propôs aposentar, oferecendo-lhe a troca por um modelo mais novo. Nenhum favor. Niemeyer é autor de um esboço para o laboratório de novas tecnologias da fabrica em Betim e, de quebra, o Uno Mille carrega no logotipo as colunas do Alvorada. Ele pisou no freio:

– Preferi que reformassem o Alfa. Eles devem ter pensado que sou um babaca, mas gosto do meu carro velho mesmo.

Mentira. Babava da mais pueril admiração sempre que entrava no Omega de seu amigo Renato Guimarães, elogiando o carrão.

– Como se o mais importante arquiteto do mundo não pudesse ter um Omega como o meu

– Meu Alfa Romeo é velho, mas eu gosto dele retruca o arquiteto mais importante do mundo….

… Comprou em 1996 uma camionete Omega Suprema, ultimo tipo, coisa e tal, como ele informa. Andou por ela três dias, passou-a para o neto.

– Dei o Omega porque adoro este neto … Pra que eu quero Omega se o Alfa anda tão bem?

Já o episódio que sustenta a lenda é citado no artigo A Corte Niemeyer, de Evelise Grunow, publicado na revista Projeto Design no.334 de 2007, a autora cita o caso envolvendo a Fiat, dona da Alfa Romeo no Brasil. A informação foi prestada pelo maquetista carioca Gilberto Antunes que trabalhou com Niemeyer.

Certa vez, Antunes presenciou uma saia justa internacional. Niemeyer fez o projeto e a maquete para a empresa italiana de móveis Idea, sem cobrar honorários.

Um empresário da Fiat, amigo do contratante, tentou dissuadi-lo, em vão. Ofereceu então a Niemeyer um Alfa-Romeo, e o arquiteto, por sua vez, a fim de minimizar o agrado, pediu um modelo do ano anterior.

O resultado? Tiveram que fabricar um carro especialmente para ele, comenta o maquetista, pois não havia mais aquele modelo no mercado.

A lenda desvendada

Vários alfistas se empenharam em descobrir a veracidade e localizar esta raríssima Alfa Romeo 2300 1992, mas quem finalmente desvendou a lenda foi o advogado e jornalista Roberto Nasser, curador do Museu do Automóvel de Brasília.

Cheguei ao resultado da questão posta sobre a construção pós encerramento da produção de um Alfa Romeo 2300 0km para o arquiteto Oscar Niemeyer.

A história contava, com o romance e os incrementos usuais, que o festejado profissional havia feito um projeto de nova sede para as empresas Fiat, mas a proposta não foi implementada. E que o Oscar não quis receber. Dizia-se também, que às horas tantas da conversa, o arquiteto rememorou ter tido um Alfa 2300, do qual gostava muito, e tinha muita saudade dele.

Aí, a Fiat para agradecer, teria mandado fazer uma nova unidade do 2300.

Até aqui, meio claro, meio enevoado, exceto pelo fato de isto ter sido em 1992 ou 1993, quando sabíamos que a produção havia se encerrado formalmente nos primeiros dias de janeiro de 1987.

Existem teorias infundadas que se encontram em ponto comum: se alguém quiser e se dispuser a pagar, ou se um diretor com amplos poderes mandar, uma montadora é capaz de exumar um veículo descontinuado, parando a linha de montagem, re-equipando-a, tomando peças de estoque, fazendo a unidade encomendada, totalmente zero km e excepcional.

Sei que isto não é possível. Montadora quando descontinua o produto, remove e dá fim – sucateia ou passa a fornecedores – a tudo o de fazer.

Mas passei o rodo nas possibilidades: localizei o diretor industrial da época. Ele riu da teoria. Idem para o comercial, com autoridade para tal: também não. Em paralelo pedi que a assessoria da presidência pudesse olhar o registro de produção. Não consegui resposta. Fui atrás das estatísticas internas. Mesmo resultado.

Baixei a pesquisa para a realidade. A Fiat à época tinha suas exceções latinas, e um mecânico chefe idem – havia feito para mim – por ordem de um dos capo citados, um prêmio, misturando peças e desenvolvendo outras, que o carrinho passava por cima do meu carro-de-diretor, um diplomata 6 cilindros. Saía, retomava, ficava na frente.

Imaginei a única teoria possível: que a montadora tinha recebido o velho Alfa do Niemeyer, recolhido à oficina de protótipos, desmontado as latas e o interior, sacado fora à mecânica, revisado tudo, buscado peças em estoque de antigos revendedores.

Em suma, feito o que a gente faz, embora com maior galhardia. Nada. Nem o professor Pardal, há anos fora da Fiat, nem o time que formou, sabia ou se lembravam. Deixei amornar.

Ante ontem no museu do automóvel, guiando visita do Franco Cirani, ex-diretor da Fiat e hoje presidente da FPT – a fábrica de motores e transmissões da Fiat – quando ele chegou em frente ao 2300 ’86, adquirido ao Paulo Proença, falou: – um ti – não falou tê-í, como nós, mas um curioso tí. Tive um em 1990 quando cheguei ao brasil. pegaram um carro do estoque, parado há uns três anos.

Gostava muito. Mas numa segunda-feira, no fim da reunião de diretoria, alguém me disse que precisavam do meu carro – e não iriam devolvê-lo: iriam dá-lo ao Oscar Niemeyer. Não reclamei, até porque trocaram por um novo 164.

Acabou o mistério. Não exumaram o Alfa, não o refizeram sobre o original do Oscar. Tão-somente pegaram uma unidade do finalzinho 86 ou início de 87 e o passaram ao nosso gênio da raça. Conclusão: as coisas e as histórias complicadas são usualmente simples.

A Conclusão

O próprio Nasser nos contou o destino do carro: à época de levantar esta história falei com Dna. Vera, esposa do Niemeyer, que informou: o Oscar deu este carro de presente para o motorista há muitos anos.

Nossos detetives então foram à luta, e David Cipriano, Rodrigo Roque e Junior Diz descobriram que o carro ainda está vivo, ainda em nome da Arquitetura e Urb Oscar Niemeyer SC Ltda., emplacado no Rio de Janeiro. O tal Alfa Romeo 1986 cinza descrito na biografia de Marcos Sá Corrêa. Seu chassi, a comprovar a verdadeira história, é 1440013985.